Ela só queria ir ao baile: Carrie, a estranha (1976)

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Existem desses filmes que mesmo sendo oficialmente de suspense ou terror, acabam nos deixando ao fim mais tristes que assustados, já que acabamos lembrando mais do sofrimento de certo personagem do que do estrago que ele causou.

Pra mim isso é verdade em Os outros (The Others, 2001), O Sexto Sentido (The Sixth sense, 1999), Espíritos- A morte está ao seu lado (Shutter, 2004) e principalmente em Carrie, a estranha (Carrie, 1976), filme dirigido por Brian De Palma baseado na obra de Stephen King.

Na verdade, eu considero Carrie mais um drama com toques macabros do que um terror propriamente, por mais que essa imagem daCarrie_sangue menina coberta de sangue lembre o próprio capeta. Aliás, sangue é o elemento que impulsiona o filme, trazendo ao mesmo tempo poder e maldição pra personagem título.

Carrie White (Sissy Spacek) é uma menina introvertida, na dela, diferente e não propriamente bonita. Como todo mundo que já frequentou a escola sabe, gente assim costuma ser um alvo fácil pra gozações e até pra pancada. Eu mesma fui durante a 5º Série, quando estudei num colégio que era quase um reformatório, embora o que tenha acontecido comigo tenha sido fichinha perto do que aparece no filme.

Carrie-mãe fanáticaPra completar, a mãe de Carrie é uma fanática religiosa de fazer o Reverendo Jim Jones parecer um sujeito até legal. Ela achava que só as mulheres impuras e pecadoras tinham seios e menstruavam (!), além de espalhar vários símbolos religiosos macabros pela casa e uma série de outras bizarrices que eu não posso contar pra não dar spoiler.

Já dá pra ver que a vida já não era muito fácil, mas como tudo sempre pode piorar, ainda acontece com Carrie um dos maiores pesadelos de uma menina na puberdade: ter a primeira menstruação na escola. Eu escapei, mas já vi várias colegas terem que deixar a sala de fininho no meio da aula, cobertas de vergonha, ou passarem a manhã inteira trancadas no banheiro sem coragem de sair. Tudo isso por algo que iria acabar acontecendo com todas elas.

Com uma mãe maluca e aparentemente estudando numa porcaria de colégio (pra nunca ter tido uma aula de biologia na vida), CarrieCARRIE SHOWER aos 16 anos não fazia a mínima ideia do que fosse aquele sangue escorrendo pelas pernas enquanto ela tomava banho.

Assim como suas companheiras de infortúnio Vada (de Meu Primeiro Amor) e Emmeline (de A Lagoa Azul) a ignorância leva ao desespero e ela passa a achar que está morrendo. Carrie pede ajuda a suas colegas no vestiário mas tudo que elas fazem é rir, atacar a pobre coitada atirando absorventes e gritando pra ela “se tapar”. A cena é certamente das mais perturbadoras do filme.

Por outro lado, Carrie descobriu também nesse evento traumático que era uma espécie de Jean Grey sem Professor Xavier, já que podia mover objetos com o poder da mente, especialmente quando estava nervosa. Não podendo contar com X-Men, Heroes ou qualquer outro grupo de ajuda, sobrou só a biblioteca da escola mesmo pra ela entender que tinha o dom da telecinese.

Daí você, sedento de vingança, já pensa “pois esses bullies vão ver é agora mesmo com quantos paus se faz uma canoa!”. Mas lembre que Carrie teve uma educação religiosa bem repressora, e aprendeu que tudo o que acontecia de ruim era culpa dela. No livro ela até chega a ter uns pensamentos revanchistas nesse momento, mas no filme ela só quer ser uma pessoa normal, e viver em paz.

Não é a tôa que a bichinha vivia com essa cara de assustada, olha o Cristo que ficava no quarto dela.

Não é à toa que a bichinha vivia com essa cara de assustada. Olha o Cristo que ficava no quarto dela!

Pena que as outras meninas, aquelas mesmas da guerra do absorvente, não tenham pensado do mesmo modo. O ataque a Carrie havia sido testemunhado por uma professora, que suspendeu algumas alunas e vetou Chris Hargensen (Nancy Allen), a líder do grupo e estereótipo da loira popular malvadona, do baile de formatura. Pois é, aquele baile mesmo que já vimos em tantos filmes e é o ponto alto da vida escolar norte-americana.

O que Chris planeja pra ir à forra pelo que ela acredita ter sido culpa de Carrie já virou história. Aproveitando que a menina estranha havia sido convidada pro baile por um projeto de Robert Plant, cujas intenções só ficam realmente claras bem depois, a loira do mal e o namorado (um John Travolta ainda anônimo) armam pra que Carrie fosse coroada rainha do baile. Tudo pra que, no momento em que ela estivesse no palco, um balde com sangue de porco virasse sobre sua cabeça.

Carrie-biblioteca

O que será que deu mais trabalho, hein? A sua escova progressiva ou o meu permanente?

Esse plano nunca é segredo no filme, e dá até pra dizer que quase a trama inteira é uma preparação pra essa cena. O que não é enrolação pura acaba virando tortura pra nós, que vemos Carrie toda feliz e ansiosa pelo seu primeiro baile, quando já sabemos o que vai acontecer com ela.

Cada momento de felicidade da menina, e são muitos, dói no nosso coração. O vestido que ela mesma fez, a ajeitada no cabelo, os galanteios do Robert Plant dos pobres, e todo o clima de sonho naquela festa super cafona bem setentista.

Não dá até uma tristeza de olhar?

Não dá até uma tristeza de olhar?

E quando o clímax acontece, aí é que o Brian De Palma bota pra quebrar, com direito a slow motion, tela dividida e imagem avermelhada. Os efeitos especiais deixam um pouco a desejar, principalmente considerando que O Exorcista havia sido filmado três anos antes, mas a interpretação da Sissy Spacek vale por tudo. Ela é realmente a Carrie definitiva, conseguindo convencer como esquisita, esperançosa cheia de dignidade, bonitinha pro baile e o monstro furioso que virou depois.

carrie remakeExiste um remake previsto pra estrear esse ano, com Chloe Moretz como Carrie, e só o que me anima um pouco a querer ver é saber que a mãe vai ser interpretada pela Julianne Moore.

Eu teria escolhido Dakota Fanning pro papel principal, acho que ela saberia fazer as caretas no tempo certo, e ser meiguinha nos outros momentos.

Carrie, a estranha, no fim das contas, é sobre como a vida de uma mulher, ou pior, de uma adolescente, pode ser um verdadeiro filme de terror.

Mas vou encerrar o post com essa paródia aqui, de Elvira, a Rainha das Trevas (Elvira, Mistress of the Dark, 1988) e que também faz referência a Flashdance (1983)

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15 thoughts on “Ela só queria ir ao baile: Carrie, a estranha (1976)

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  3. Obrigada Vinícius! Sabe que eu nunca vi Poltergeist, nem quando eu era criança? Uma vergonha total. Vou ver se consigo ver por agora, e de repente até aceitar a sua sugestão. Eu só sabia que a garotinha que entrava na televisão tinha morrido, não sabia que os outros também. Mas que coisa.

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  5. Há também uma boa refilmagem lançada diretamente para TV, acho. De 2002, com Angela Bettis, Emilie de Ravin e Patricia Clarkson. Já foi até exibida pelo SBT. Recomendo, Camila.

    • Essa eu cheguei a ver no catálogo da Netflix, mas não animei muito de ver não. Achei que a menina era esquisita esquisita, e não esquisita bonitinha, como a Sissy Spacek. Na minha opinião, o fato de a Carrie ter ficado bonita pro baile era importante pra história. Mas se tem alguém recomendando, eu posso considerar um dia 🙂

  6. Gostei muito desse blog. Achei hoje. Carrie de 1976 realmente é o melhor.
    Ah, aquela imagem no quarto da Carrie não é Cristo, é são Sebastião. Já vi uma igual quando criança. É bizarra.

    • Oi Theodoro! Que bom que gostou do blog, volte sempre 🙂 E quanto àquela imagem, eu fiquei bem confusa mesmo. No começo pensei que fosse realmente algum santo, mas no livro do Stephen King dizia que a mãe da Carrie tinha se afastado das religiões todas, o que incluía a católica também, e meio que criado a sua própria. Daí pensei que fosse alguma espécie de Jesus bizarro. Mas agora que você falou aí, vou corrigir então. Obrigada.

  7. Eu sempre tive vontade de ver esse filme, por curiosidade,e também pelo fato de eu me identificar um pouco com a carrie em relação a rejeição e bulliyng que ela sofria na escola,kkkkkk eu tinha duas opções: o filme de 76 e o ramake acabei optando por esse pelo fato de achar que seria mais “assustador”, esse e o “Valentine” foram os únicos filmes de “terror” que assisti

    • Oi Dani! Eu tenho uma lista de filmes de terror de que eu gosto muito, em geral filmes que têm um clima tenso, e não ficam só nos sustinhos. “A profecia”que é da mesma época do Carrie é muito bom também.

  8. De fato, acabei de assistir e as cenas finais foram de partir o coração. E a Sissy tava tão linda… muito triste. Sobre o remake se quiser assista, mas acredite, é uma merda! Aquele de 2002 foi bem melhor.

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